Conto: ATÉ O ÚLTIMO PEDAÇO pt.1

ATÉ O ÚLTIMO PEDAÇO

Uma fanfiction


         Estava indisposta naquele dia, com dor de cabeça, cólicas, humor nas costas, coisas de mulher... Não estava feliz por ser obrigada a visitar meu editor. Nada contra ele, só aquela indisposição que me aconselhava a ficar em casa, quieta, talvez meu instinto prevendo alguma coisa, mas você sabe como são as responsabilidades, as contas a pagar e o salário de professora... Escrever livros não é suficiente para sustentar ninguém no Brasil, mas é uma renda extra, que me possibilita alguns luxos de vez em quando.
         Meu editor queria que eu lhe entregasse meu mais recente livro para a impressão. Dizia que eu tinha sorte por ter entrado naquele mercado. No Brasil quase ninguém lê, principalmente livros escritos por brasileiros, mas eu o conhecera na época da faculdade, antes dele comprar a editora, éramos amigos, ele sabia que eu gostava de escrever e sugeriu publicar alguma coisa minha. Essa foi minha “sorte”.
A primeira história que lhe mandei falava de um crime passional. O livro vendeu mais do que esperávamos e a partir de então ele me pressionava a cada seis meses. A cada seis meses Melvin Cassid ou Donna Rayes lhe entregavam um manuscrito.
         Meu editor dizia que os pseudônimos americanizados facilitavam as vendas. Pessoalmente ele gostava mais de Donna Rayes, do que de Melvin Cassid, mas as histórias de Melvin vendiam mais do que as de Donna. Foi difícil explicar que não sou eu quem escolhe as histórias, são elas que me escolhem. Tudo o que faço é pô-las no papel e decidir a qual dos pseudônimos elas pertencem.
          Melvin é romântico, gosta de mulheres fortes, que sofreram algo terrível em suas vidas e depois superaram isso encontrando o amor verdadeiro. Ele é o tipo de escritor que vende mais, tanto mais dramáticas são as histórias. Rodrigo, meu editor, tem um modo muito peculiar de avaliar o que Melvin Cassid escreve. Diz que se a história não arranca lágrimas da sua secretária, não vale. Explico que lágrimas são tudo o que as histórias desse pseudônimo almejam.
         Donna Rayes é escritora de romances policiais. Gosta de histórias de suspense e mistério, mas ultimamente tem ficado atraída pela idéia de escrever um livro do ponto de vista de um assassino frio e cruel. Rodrigo diz que Donna é o tipo de escritora mais atrente aos homens do que às mulheres, por isso ela vende menos...
Assim, subo as escadas do edifício de três andares, onde funciona a “Editora Lereveromundo” já sabendo que Rodrigo irá torcer o nariz quando ler o que tenho a mostrar.
“Mais um policial! Você sabe que os românticos do Melvin vendem mais!”, ele irá protestar.

Rodrigo não gosta quando entrego dois livros seguidos de Donna Rayes, mas desta vez ele parece excitado com a idéia de me fazer escrever mais um policial, o terceiro em sequência!
_É uma idéia diferente... andei pensando no que você me falou outro dia, acho que a sua idéia de escrever um livro do ponto de vista do assassino vai vender mais do que isso aqui. - ele pôs as mãos sobre o calhamaço. Fazia uma hora que eu esperava. Rodrigo havia feito um curso de leitura dinâmica há alguns anos e desde então tornara-se o leitor mais rápido que eu conhecia. O livro tinha duzentas páginas, mas ele o devorara como se fosse uma revista.
Ascendeu um cigarro e deu mais uma folheada nas páginas.
_Sobre a idéia de escrever um romance policial do ponto de vista do assassino, eu gostaria muito de poder fazer isso ambientado aqui no Brasil. – arrisquei - Tô cansada de ficar pesquisando nomes de ruas em Nova York, fotos e mapas só pra dar a impressão de que Donna Rayes é mesmo americana... gostaria de escrever alguma coisa assinada por mim mesma, mais autoral, mais arriscada, mais artística...
Como eu já imaginava Rodrigo torceu o nariz.
_Não sei se pega... você sabe que os brasileiros em geral têm preconceitos com relação à literatura nacional e acham que tudo o que vem dos Estados Unidos é muito melhor. Não sabem que mais da metade dos livros circulando por aqui com nomes estrangeiros, foram escritos por autores nacionais, que como você, usam pseudônimo estrangeirado... eu tenho uma idéia para esse seu próximo romance, mas acho que você deve seguir assinando como Donna Rayes. Você já tem leitores fiéis e vai ser uma grande surpresa para eles se de repente Donna escrever uma coisa assim.
Desta vez fui eu que torci o nariz.
_Eles não vão gostar. Esperam mais um romance tipo Agatha Christie e vão se sentir enganados quando lerem alguma coisa mais parecida com Truman Capote ou C.A.Pella. 
_ Capote? C.A.Pella? É isso que você tem em mente? Pois vou te dizer uma coisa, era exatamente isso que eu estava pensando... Todo mundo quer ler uma história assim. Veja como faz sucesso os livros e filmes sobre o assunto. Por isso acho que você tem que manter a Donna Rayes. Tem que manter a ilusão de que é mais um best seller americano. E tem mais... você lembra daquele cunhado que te falei, aquele que ficou rico vendendo marmita?
Sim eu me lembrava do cunhado de Rodrigo que desempregado, tinha tido a idéia de abrir uma marmitaria e em pouco tempo estava servindo comida nos presídios do Estado e ficando rico.
_Ele me contou uma história de arrepiar os cabelos e que na hora me fez lembrar de você. Acho que é a história que a Donna Rayes precisa para sair das sombras e virar uma grande novelista policial.
Eu ri: _Rodrigo! Você não pode dar histórias para a Donna escrever! Não é assim que a coisa funciona! Nem eu escolho as histórias que passam pela minha cabeça! Sou apenas um veículo da Inspiração. Não tenho controle sobre isso. Já falamos desse assunto...
Rodrigo espalmou as mãos e me pediu paciência: _Eu sei, mas você tem que ouvir essa história. Tenho certeza de que ela irá te trazer inspiração para o que você está querendo...
_Tá bom, conta aí, que história é essa?


Em suma: Rodrigo explicou que possuía meios para me conseguir uma entrevista com o Doutor Daniel, mais conhecido como Dr. Macabro. Sua editora publicava a revista “Curiosidade Extrema” e a diretoria do hospital prisão aceitaria me colocar diante daquele detento, se eu escrevesse um artigo falando bem do trabalho desenvolvido por eles.
_Ele foi inspiração pra muita gente... - Rodrigo tinha me dito – Fizeram até um filme em Hollywood sobre a história dele e que fez muito sucesso. Não sei se a história do filme é fidedigna, muito pouco foi falado sobre o Dr. Macabro na mídia... porque ele era amigo de celebridades famosas e políticos. Ninguém queria ser citado nos jornais como amigo dele.
De olhos arregalados eu ouvi toda a história. Continuei assim, de olhos arregalados e ouvindo a história ecoando na minha cabeça por vários dias depois disso. O Dr. Daniel tinha sido estudado por diversos psicólogos e psiquiatras, alguns até estrangeiros e seu diagnóstico era incerto. Diziam que ele parecia perfeitamente normal a despeito da natureza de seus crimes. Tinha sido procurado por jornalistas do mundo todo e ao que parecia, ele se recusava a conversar com a maioria das pessoas, preferindo a reclusão de sua cela.
_Vou ligar para lá. Se eles consentirem, você vai até Franco da Rocha. Pago sua viagem, sua estadia, fique por lá até sentir que tem uma história.
_Rodrigo... eu não sei... não sei se ele vai querer falar comigo, não sei se ouvir histórias macabras irão de algum modo me trazer alguma inspiração. Na verdade eu já estava pensando num roteiro...
Rodrigo simplesmente sacudiu a cabeça: _Não me interessa... quero uma história sobre o Doutor Macabro. Você também vai querer quando ouvir os detalhes...
Então ele me narrou como é que o Doutor Macabro tinha conseguido uma cela só para si...
_...um deles tinha engolido o próprio pênis mutilado. Ninguém viu, ninguém ouviu nada. Quando os outros companheiros de cela acordaram e viram aquilo, entraram em pânico. Dizem que o Dr Daniel ria o tempo todo enquanto eles gritavam de horror. Daí que você nem imagina o que o juiz decidiu depois disso! Tá certo que era na época da ditadura e que a justiça então não funcionava muito bem... mas o juiz determinou que o Dr. Macabro era doente mental e que seus dentes fossem arrancados! – Rodrigo sacudiu a cabeça - O advogado dele, que não conseguiu evitar isso, apareceu morto dali uns dias. Ninguém sabe quem o matou, talvez o Dr. Daniel tivesse admiradores, quem sabe? Por fim ele foi transferido pra Franco da Rocha e desde então ninguém nunca mais ouviu falar dele.

Três meses mais tarde o Rodrigo me ligou.
_Tá tudo arranjado. Você pega um vôo pra São Paulo na sexta, um carro vai te levar até Franco da Rocha. Aluguei um quarto pra você num pensionato de mulheres. Não é como num hotel, mas é mais barato e assim você poderá ficar o tempo que quiser. O lugar é descente, pode ter certeza...
_Rodrigo, eu não disse que iria. Tenho coisas para fazer...
_Você está de férias da escola. Essa é nossa grande chance Dora. Desde que ouviu meu cunhado contar essa história eu soube que você foi feita para escrevê-la. É certeza! Quero esse livro pronto antes do fim do ano.
E foi assim que na sexta feira daquela semana fria de julho aterrissei no aeroporto de Congonhas. Um sujeito gordo e ensebado estava segurando um pedaço de cartolina com meu nome escrito. Chamava-se Chico Fuma e riu de seu próprio nome ao me contar que jamais tinha experimentado um cigarro na vida.
_Meu pai chamava-se Fumarama, era neto de japonês, mas ninguém chamava ele assim. Pra todo mundo ele era o Fumarão e eu o Fumarinho. Depois que eu cresci virei o Fuma, porque já tinha o Fumarão que era meu pai, sacou?
Chico Fuma era motorista profissional. Tinha dirigido caminhão a vida toda, mas agora que estava aposentado, comprara seu próprio táxi e seu próprio ponto, no aeroporto. Segundo me contou ao longo da viagem de hora e meia, o investimento no ponto tinha sido o de uma casa nova, mas valera à pena, pois em três anos ele já havia conseguido o dinheiro de volta e “mais alguns trocos” que davam pra comprar não uma, mas duas casas novas. Quis saber o que eu estava indo fazer em Franco da Rocha. Disse que ia visitar uma tia.
_No hospital?
Parece que todo mundo só conhece essa cidade por causa do hospital psiquiátrico, eu pensei. De fato, eu mesma só sabia da existência da pequena cidade do interior de São Paulo por conta disso. Respondi que sim. O Chico Fuma me olhou pelo retrovisor:
_Dizem que é um lugar horrível. Achei que já tinham fechado aquele matadouro. Nos anos oitenta todo mundo ficou sabendo daquele lugar por causa do programa na TV. Lembro de ver loucos de pedra pelados, em pele e osso, parecendo aqueles judeus do holocausto... Deus me livre!
_Ouvi dizer que as coisas mudaram...
_Por que sua tia tá lá? Não tem dó dela não? Uma pessoa doente assim devia ficar com os parentes!
Achei graça na franqueza do Chico Fuma. Se eu realmente tivesse uma tia doente internada num manicômio, teria ficado envergonhada.
E ele continuou falando sobre como ficava indignado com os maus tratos, até mesmo contra os prisioneiros.
No meio do caminho começou a chover e esfriou um bocado, era mês de julho e eu havia me esquecido de que fazia frio nesta época do ano no estado de São Paulo. A cidade de Franco da Rocha estava sob uma névoa quando o carro deslizou pelo pavimento esburacado da avenida principal. Parecia uma cidadezinha normal, sem qualquer traço da loucura que a fizera famosa. Naquela pequena localidade haviam dois hospitais psiquiátricos, os maiores do país. Um deles era também um presídio para criminosos doentes mentais, cuja ala de segurança máxima parecia conter cerca de quarenta detentos entre maníacos estupradores e assassinos compulsivos: os serial killers brasileiros. O mais famoso deles era o Dr. Daniel Malbenito, ou simplesmente “Dr. Macabro”, listado pelos criminalistas como sendo o “assassino serial definitivo”.
Até Rodrigo me propor essa missão, jamais tinha ouvido falar desse Dr. Macabro. Ele havia sido encarcerado em 1982 depois de ter sido pego em flagrante por conta de uma denúncia anônima. Procurando informações descobri que o Dr. Daniel tinha servido de inspiração para diversos livros e filmes hollywoodianos, que sua história era cultuada por fãs de assassinos cruéis mundo afora, principalmente nos Estados Unidos, onde os dentes dele haviam sido leiloados por trinta mil dólares, para um fã que mais tarde usou-os como implantes em sua própria boca...
Daniel era considerado o assassino definitivo porque não deixava pistas de seus assassinatos. Ninguém sabia exatamente quantas pessoas ele havia matado, se não tivesse sido denunciado e pego em flagrante, ele jamais teria sido descoberto e condenado a cumprir pena de trinta anos de cadeia, que expirariam em 2002.
Os médicos divergiam sobre a natureza de sua moléstia mental. Doutor Daniel era aparentemente uma pessoa normal, extremamente inteligente, com um QI avaliado em 180 pontos! Fosse qual fosse sua doença, era incurável, esse era o único consenso entre eles.
A família das vítimas fizeram uma campanha para modificar o Código Penal brasileiro e conseguir a prisão perpétua ao homem acusado de ter matado cerca de quatorze pessoas, cinco homens, seis mulheres e três crianças...
Avaliado pela junta médica organizada pela promotoria, Dr. Daniel foi primeiramente considerado em posse de suas faculdades mentais e encarcerado num presídio do interior do estado. Isso até a noite em que ele conseguiu matar dois dos companheiros de cela com requintes de crueldade, sem que os outros quatro despertassem. Como ele conseguiu essa façanha? A coisa toda era um mistério e no presídio, espalhou-se a notícia de que Dr. Macabro tinha um pacto com o Diabo. Só então ficou evidente que ele não poderia conviver com a rotina de um presídio regular. Acabou sendo transferido para a ala de segurança máxima do Hospital Prisão de Franco da Rocha, onde foi escrutinado pelos médicos de diversas instituições e mantido isolado desde então.
Os exames físicos atestavam um sujeito em boa forma, saúde e sem qualquer anormalidade anatômica, interna ou externa. Nada que indicasse uma causa para as atrocidades cometidas.
Psicologicamente Daniel era imune às análises. Como ele próprio fosse um psiquiatra, conhecia todos os testes, todos os truques e se esquivava deles com facilidade, dificultando um diagnostico.

Chico Fuma parou seu Monza diante dos portões do hospital presídio, na área rural da cidade. A chuva havia dado uma pequena trégua, mas nuvens de fumaça de vapor escapavam das minhas narinas. O frio estava de matar.
Agradeci pela corrida, entreguei o vouche e abanei a mão. Chico Fuma afastou-se e desapareceu no cinza, enquanto eu tentava controlar minha ansiedade encarando a câmera de vigilância.
Um guarda aproximou-se da grade e depois de ouvir meu nome e ler a carta de apresentação, deu um sinal para o outro o guarda na guarita destravar o trinco elétrico, o que foi feito com um“clanc” retumbante.
Fui guiada através de um corredor mal iluminado até uma porta, que abriu-se para outro corredor e mais outro, depois por uma escada, no que pareceu ser a ala de serviços, onde as únicas pessoas que pude ver, trabalhavam na limpeza e no arquivamento de fichas numa sala repleta delas. Fui deixada sobre uma cadeira dura, no meio de um corredor, no último andar do edifício, que cheirava à detergente de pinho e lustra móveis de lavanda. O odor trouxe-me lembranças da infância, de quando minha mãe ainda era jovem e agradava meu pai mantendo a casa sempre impecavelmente limpa...
_Senhora Reis?
Dei um salto. Acho que devo ter cochilado enquanto esperava. O homem à porta me observou atrás de aros transparentes de óculos fora de moda.
Ele sorriu: _Sou o Doutor Emerson Bachi – disse o médico jovem e sorridente enquanto me conduzia para dentro de uma grande sala de reuniões, forrada de estantes com livros de psiquiatria e psicologia -, este é o Doutor Abraão Adamo – disse apontando para um homem com cerca de sessenta e cinco anos, muito alto, magro e com um enorme nariz - e esta é a Doutora Elza Fiedrengard... - o nome soou assim, mas não sei se é dessa forma que se escreve. A mulher era alta, com cabelos cor de laranja, enormes seios, cintura e quadris estreitos e dentes muito mal conservados – Finalmente quero lhe apresentar o diretor desta instituição, o Doutor Marcelo Quevedo.
Cumprimentei-os com meu melhor sorriso “gracinha de moça” e tomei assento numa cadeira de madeira escura e espaldar alto, que devia ter uns cem anos de idade.
Em resumo: eles queriam me levar para um tour pelo hospital, queriam me mostrar como tudo estava mudado, organizado, limpo, saudável e blá, blá, blá. Tinham orgulho das transformações feitas, da nova direção e queriam a garantia da revista, de que estas coisas seriam bem descritas. Por que eu não havia trazido um fotógrafo? Teria sido tão bom fotografar o hospital e seus internos em bom estado e blá, blá, blá.
Me arrastaram pelos infindáveis corredores daquela instituição, demonstrando todas as maravilhas recém implantadas pela nova direção. Garanti que escreveria um artigo que demonstraria todo aquele esforço, na tentativa de mudar a imagem do Hospital de abatedouro e campo de concentração, para moderno e humanizado. Por fim expliquei que estava ali para conhecer e conversar com o Doutor Daniel Malbenito.
Houve um silêncio prolongado entre aqueles médicos, todos de jaleco. Trocaram um olhar que me pareceu de cumplicidade em desaprovação. O jovem Doutor Emerson sorriu meio sem graça:
_Pensávamos que se tratasse apenas de uma matéria para a Revista Curiosidade Extrema da Editora Lereveromundo...
_Não... - sacudi a cabeça – Meu editor deve ter se explicado mal. Nós queremos publicar sobre o hospital na revista, mas em troca eu quero acesso livre ao Doutor Daniel. Quero entrevistá-lo para um romance de ficção que pretendo escrever.
Eles se entreolharam novamente e desta vez foi o diretor Doutor Marcelo Quevedo, um homem corpulento, de cabelos tingidos de preto e bigode impecavelmente aparado quem me falou entre um ou outro sorriso de falsa simpatia:
_Veja bem... não existe essa coisa de “acesso livre”. As visitas são em horários e dias determinados. É o que diz a lei...
Observei que o Doutor Marcelo não parecia ter gostado muito de mim. A antipatia era mútua, pois jamais confiei em um homem de cabelos tingidos...
O cheiro do pinho e da lavanda impregnava o ambiente e suspeitei que todos eles tivessem tido um bocado de trabalho para deixar as coisas em ordem antes da minha chegada. Por isso estavam tão ansiosos para me mostrarem como os internos eram bem tratados, organizados, banhados, cheirosos, em celas igualmente organizadas, limpas e cheirosas...
_Sugiro que o senhor ligue para o meu editor. Ele saberá explicar melhor a natureza da minha visita e a contrapartida que oferecemos, se me conceder acesso ao Doutor Daniel Malbenito... – repeti - O número é esse do cartão. - eu disse entregando alguns cartões da editora aos médicos – O nome dele é Rodrigo Almeida. Estarei na Pensão Nossa Senhora de Lourdes, mas volto amanhã no mesmo horário. – agradeci então pela recepção que tivera e me despedi saindo dali rapidamente.
Mais tarde ao telefone Rodrigo me deu uma bronca:
_Sua louca! Devia mandar interná-la nesse hospício! Eu consegui uma entrada para você e o que fez? Causou antipatia ao diretor!
_Não é minha obrigação fazer política. Você me mandou aqui por idéia sua, eu nem queria vir para começo de conversa, então se vira e convence esses caras a me abrirem as portas...
_Já fiz isso. - ele pigarreou – Vão te mandar um material publicitário institucional, querem que você escreva um artigo sobre o hospital presídio baseado neste material e querem ler o artigo antes de você ir embora! – advertiu - Em troca eles te deixam no corredor, em frente a cela do Macabro, por três horas diárias. Amanhã você deve ir até lá pela manhã para combinar estes detalhes. Há uma rotina lá dentro, sabe... eles não querem ninguém xeretando livremente. Você tem que ser discreta e fazer exatamente o que mandarem...


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