JM
Quando abri os olhos me vi dentro do que parecia ser o jardim de
inverno de uma grande casa. Estava cercada por paredes altas e vidro.
O teto sobre minha cabeça era de treliça, que filtrava
um pouco da luz da Lua. Fazia um frio tenebroso naquele lugar. Numa
das paredes havia uma janela de dormitório, mas ela estava no
piso superior da casa, fora do meu alcance. Ao meu redor vi um banco
de jardim, algumas folhagens, uma roseira e um canteiro de grama
japonesa. Aquele jardim de inverno tinha duas paredes de vidro. Atrás
delas pude vislumbrar uma sala contendo um piano de caudas e uma
grande mesa de jantar. A casa estava na penumbra de uma luz cujo foco
estava além do meu alcance. Eu tremia de frio e medo, me
perguntando e lamentando ao mesmo tempo, como Daniel havia me
encontrado tão rapidamente?
Tomei subita consciência de que a luz que fracamente iluminava
a sala de jantar, vinha da cozinha da casa, onde talvez ele estivesse
preparando o caldo no qual iria me cozinhar. Gritei de terror. Queria
que ele me ouvisse e viesse, tinha esperanças de convencê-lo
a abandonar aquela idéia.
Ouvi passos e uma luz ascendeu na sala.
Por um instante pensei que meus olhos estivessem me enganando, porque
o homem que parou do outro lado do vidro na minha frente era não
era o Dr. Daniel.
Não sei se ainda estava sob efeito da droga que ele usara para
me nocautear, mas tive a louca idéia de que aquele homem,
fosse talvez uma versão do Dr. Daniel, modificada por alguma
cirurgia plástica. Mas como ele teria conseguido em apenas
três dias, fugir, fazer uma plástica, recuperar-se e
aparecer na minha frente daquele jeito?
_Você não é o Daniel. - eu constatei meio
abobalhada, embora a frase tenha soado como uma pergunta - Onde
estou? Há quanto tempo estou aqui? O que você quer de
mim?
Aquele homem espalmou as mãos, em sinal para que eu me
acalmasse. Era magro, alto e devia ter cerca de quarenta e cinco
anos.
_Uma coisa de cada vez. - ele disse e percebi enquanto falava, que
devia sofrer de alguma anomalia no palato, que costumamos chamar de
“língua presa” - Meu nome é João Miguel,
pode me chamar por JM. Você está na minha casa, está
aqui há quase vinte e quatro horas e acabou de acordar da
sedação. Sobre o banco vai encontrar uma blusa de lã
e um cobertor. Deve estar com fome também. Estou preparando o
jantar que logo estará pronto. Tenha calma e paciência,
gritar não irá ajudá-la.
Dizendo isso ele se virou e começou a sair. Chamei-o devolta e
repeti a pergunta sobre a razão de ter sido sequestrada, ele
limitou-se a dizer:
_ Prefiro vê-la como minha convidada, mas suponho que não
teria aceito ao convite de um desconhecido, por isso trouxe-a dessa
forma...
Gritei uma série de perguntas, mas ele só repetiu que
não adiantaria gritar, que isso só o aborreceria, pois
ninguém além dele poderia ouvir meus gritos.
_Quando precisar me chamar, faça-o educadamente, sem histeria
e virei atendê-la, mas se gritar, não virei. - ele
instruiu, saindo apressadamente em seguida.
Do que se tratava tudo aquilo? Minha mente tentou em desespero
encontrar uma explicação. Quem era aquele tal de JM? O
que ele queria dizer como “sua convidada”? Seria ele algum
cúmplice do Dr. Daniel? Mas se era, onde estava o Macabro?
Seria eu o prato principal a ser servido quando ele chegasse?
Ao meu redor, os vidros estavam presos com firmeza sobre os trilhos
e a porta estava trancada. Chutei-a várias vezes e com toda a
força que possuía. Tudo o que consegui foi fazer
barulho. Pensei em jogar o banco de jardim sobre ele e quebrá-lo,
mas intuí que não seria assim tão fácil
sair daquele lugar. De fato o banco estava parafusado ao chão
e além dele não havia mais nada que eu pudesse usar. Da
cozinha vinha o cheiro de cebolas refogadas no vinho, meu estômago
se contorceu de fome. Pensei em chamar por João Miguel e lhe
perguntar todas as coisas que me passavam pela cabeça, mas
tive medo de irritá-lo. Nosso breve contato fora suficiente
para que eu percebesse que ele era do tipo que se zangava com
facilidade, por isso me sentei sobre o banco, aceitando o abrigo da
blusa e do cobertor, amargando minha má sorte. Que lugar era
aquele? Não devia estar mais no Rio de Janeiro... fazia muito
frio, coisa atípica na capital carioca. Pelo clima poderíamos
estar em Petrópolis, ou Teresópolis, ou São
Paulo... qualquer lugar, desde que afastado das pessoas que não
ouviriam meus gritos, que não dariam pela minha falta...
Chorei como não fazia desde a morte da minha avó. Revi
minha vida em todas as suas fases, revi erros, reavaliei minhas
conquistas, frustrações e tudo o que ainda esperava
conseguir. Não estou pronta para morrer, foi minha conclusão.
Uma hora mais tarde João Miguel apareceu na sala de jantar
empurrando um carrinho de alimentação contendo uma
bandeja cheia de comida e bebidas. Sentou-se à cabeceira da
mesa de onde podia me observar. No meu cativeiro, uma lâmpada
foi acesa numa arandela sobre o banco onde eu estava.
_Temos um excelente foundue de carne, com queijo gruière e
queijo emental, um risoto de aspargos e uma mousse de tomate com
pesto de manjericão. Receio ser obrigado a deixá-la
olhando por enquanto. Sei que é grosseria da minha parte, mas
não posso serví-la primeiro, o risoto esfriaria...
compreenda que por ter tido todo o trabalho, é meu direito,
por assim dizer, comer enquanto a refeição ainda está
quente, mas não se preocupe, há o suficiente para nós
dois e eu a servirei assim que tiver terminado a minha parte.
Meu estômago reclamou, mas procurei não demonstrar
interesse pelo jantar, estava obstinada a passar fome e não
deixar muito de mim sobrando para o deleite do Dr. Daniel e seu amigo
misterioso.
_Você é bem quietinha, não? Esperava que fosse
mais falante, afinal, se é uma escritora, deve ter muito sobre
o que dizer... A última pessoa que esteve em seu lugar,
precisou perder a língua para compreender que desejo estar em
paz no meu lar. Ela não parava de gritar, queria saber o que
eu tinha feito com seu bebê. - João deu uma garfada no
risoto e o saboreou lentamente antes de engolir com a ajuda de uma
taça de vinho – Em geral não faço uso de
brutalidade, mas você tem que entender que esta regra só
funciona quando há cooperação.
Ele continuou comendo e num dado momento perguntou se eu não
estava curiosa para saber o que ele tinha feito com a mulher e seu
bebê.
_Acho que prefiro não saber. -respondi tremendo.
_Mas você parecia muito interessada em saber o que o Dr. Daniel
fez. Não é por isso que o estava visitando? Para
escrever um livro a respeito dele?
Não queria conversar com aquele homem. A sugestão do
que pudesse ter ocorrido à mulher e seu bebê era tão
forte, repugnante e assustadora, que desejei morrer subitamente e me
libertar de tudo aquilo.
_O que vocês querem de mim? Por que eu?- lamentei sentindo as
lágrimas rolando quentes sobre minhas bochechas frias.
JM sacudiu os ombros.
_Eu particularmente só quero agradar... – e dizendo isso
tornou a se concentrar na comida ignorando meus apelos e perguntas.
João terminou sua refeição e saiu da sala de
jantar. Minutos depois ouvi um barulho acima de minha cabeça.
Da janela no andar superior, a que se abria para aquele jardim de
inverno, um cesto preso a uma corda foi lançado até a
altura das minhas mãos. Ignorei-o e ouvi a voz dele me
advertindo:
_É melhor você aceitar a comida. Seria muita grosseria
da sua parte rejeitá-la e isso me deixaria muito chateado.
Muito mesmo.
Peguei o conteúdo do cesto. Havia risoto, alguns legumes
cozidos, pedaços de carne banhados no fondue de queijos já
frio, além de duas garrafas plásticas, uma com água,
outra com vinho e nenhum talher.
Comi apenas os legumes cozidos usando as pontas dos dedos. Mal pude
olhar para a carne sem ter a impressão de estar vendo os
pedaços do tal bebê.. Depois de ter comido os legumes,
ainda fui acometida por um terrível sentimento de culpa. Senti
como se estivesse na estória de João e Maria, sendo
engordada para satisfazer a fome da bruxa.
_Há um balde debaixo da torneira, use-o se precisar ir ao
banheiro. Não brinque com a água, pois esta noite fará
muito frio.
Depois de dizer estas palavras, João Miguel apagou todas as
luzes e a casa ficou mergulhada na escuridão.
Aos meus ouvidos chegavam barulhos noturnos de grilos, rãs e
um zunido meio distante de carros passando à grande
velocidade. Intuí que estava em algum lugar fora da cidade.
Que cidade? O odor no ar me fazia lembrar São Paulo, com
aquele cheiro de merda característico da poluição
do Tietê e do Pinheiros, misturada com a fumaça química
das indústrias, mas também havia cheiro de mato e de
água fresca ali por perto... O frio que descia do teto de
treliça combinava com minha suspeita. Era um frio de garoa de
inverno paulistano, devia estar fazendo uns seis ou sete graus e a
blusa de lã com o cobertor eram insuficientes para me manterem
devidamente aquecida.
Para piorar eu não tinha sono. Havia dormido por quase vinte e
quatro horas sob efeito de algum anestésico e me sentia
descansada, disposta a sair voando se tivesse asas. No escuro não
podia fazer muito mais do que tatear as coisas ao meu redor,
procurando desesperadamente por um ponto fraco naquela jaula, que me
permitisse a fuga.
Tentei desparafusar o banco, mas tudo o que consegui foi machucar as
pontas dos meus dedos. O balde que ele havia me deixado não
possuía uma alça de metal, senão eu teria
improvisado uma ferramenta para a fenda dos parafusos... a comida
havia vindo sem talheres e o vidro parecia resistente demais para que
eu o quebrasse com os pés.
Andei de um lado para o outro naquele jardim que devia ter cerca de
nove metros quadrados. Andar de lá para cá e daqui para
lá era a única forma de me manter aquecida. Pensei na
história da mulher e do bebê que tinham estado ali antes
de mim, seria verdade? Seria possível que Daniel fosse
realmente inocente das acusações e aquele tal de JM
fosse o verdadeiro canibal assassino? Ele sabia que eu era escritora,
que visitara o Dr. Macabro no hospital-prisão e onde eu
morava. Talvez fosse o admirador secreto de Daniel, aquele que matara
o seu primeiro advogado... Neste caso o que ele queria de mim? Que
mal eu havia feito?
Lá fora um cachorro latiu, devia ser algum cão de raça
grande, pois era um latido forte e feroz.
Os
minutos iam passando e um antigo relógio de pêndulo, em
algum lugar da casa, marcava as horas com badaladas. Lembrei-me o do
que os prisioneiros diziam sobre o tempo, quando se está
encarcerado, e a noite ia se arrastando longa e gelada. Andei naquele
cubículo até ficar exausta e tentei em vão
dormir sobre o duro banco de jardim.
Não
sei descrever as emoções que me afligiam. Chorei, me
revoltei, chorei de novo e fiquei variando entre um e outro louco
pensamento de fuga, povoado pelas imagens grotescas de pedaços
de corpos embalados e congelados que eu tinha visto nas fotografias
dos autos do processo do Dr. Daniel. Se ao menos eu tivesse
acreditado nele... poderia a esta hora estar no conforto da pensão
em Franco da Rocha, escrevendo meu livro...
Finalmente
o céu começou a clarear, o dia nasceu e a temperatura
subiu um pouco. Quando o relógio marcou oito horas da manhã,
JM desceu para a cozinha. Passou pela minha “jaula” com um
lacônico “bom dia”, mal olhando na minha direção.
Alguns minutos mais tarde subiu até o dormitório e fez
descer pela janela o cesto com café, pão com manteiga,
suco de laranja, biscoitos de nata e geléia de morango.
A fome
apertava. Num canto do jardim de inverno ainda estavam os restos do
jantar que eu recusara a comer.
_Você
não jantou. – ele constatou com a cabeça para fora da
janela – Uma pena, pois não sou do tipo que fica implorando
pelas coisas... por outro lado, não precisarei me preocupar
com seu almoço. Ainda tem comida suficiente aí.
Ele
desapareceu pela janela e eu gritei: _Espere!
_O que
foi?
_O que
você quer de mim?
João
Miguel fez um muxoxo: _Ainda não sei exatamente. Tenha
paciência...
_Paciência?
_Não
comece a gritar. Não quero ser rude com você. É
minha convidada, cozinhei um bom jantar, preparei um bom café
da manhã, não pode ser um pouco mais agradecida?
_Me dê
outro cobertor. – eu implorei.
_Se
comer tudo o que está aí, te darei quantos cobertores
desejar. – ele disse desaparecendo novamente.
Chorei e
não vou mais contar quantas vezes fiz isso naquele dia.
Poucas
vezes na vida paramos para pensar na natureza da liberdade. Sabemos
que a liberdade, mesmo nos países mais democráticos,
não é ilimitada e na maioria das vezes sentimos o peso
das restrições impostas pelo dinheiro, pelo trabalho,
pelas responsabilidades. Posso dizer que todos esses problemas são
triviais. Presa neste jardim de inverno eu jurava a mim mesma que me
tornaria uma andarilha, se um dia conseguisse escapar. Não
iria mais trabalhar, nem pagar impostos, iria viver viajando de
cidade em cidade, de país em país, comendo o que me
dessem, dormindo onde pudesse, porque o que há de mais
importante na vida não é o conforto, o dinheiro, nem
nada que as coisas possam nos proporcionar, mas a pura e simples
mobilidade.
Eu
queria poder sair e começar a caminhar, e caminhar, e caminhar
sem nunca mais parar de andar. Queria ver o mundo, queria ir para um
lugar mais quente, viver pura e simplesmente, mais nada.
JM cumpriu sua promessa e não apareceu à hora do
almoço. Deve ter saído da casa, pois não ouvi
qualquer barulho até as quatro da tarde, quando ele finalmente
veio, sentou-se ao piano e começou a tocar, exibindo-se para
mim.
Não
sei que peça era aquela, mas ele a tocou lindamente. Se não
fosse pelo meu estado cativo, eu teria aplaudido com entusiasmo.
Jamais fui culta ao ponto de ir assistir concertos musicais, ou
estudar sobre o assunto, nem toco qualquer instrumento, mas a peça
que ele executou parecia contar uma história, a triste
história de alguém que mal tinha começado a
viver e já estava com os dias contados...
Quando
terminou de executar a peça olhou diretamente para mim, à
espera talvez dos meus aplausos.
_Não
gostou?
Não
respondi.
_Talvez
preferisse ouvir músicas sertanejas...
_Não
gosto de músicas sertanejas... – respondi me arrependendo em
seguida, com medo de que ele ligasse um rádio e me torturasse
assim.
_De que
tipo de músicas você gosta?
_Não
sei. Não sou de ouvir música... acho que gosto de
músicas desse tipo, como essa que você executou.
_Sonata
em Ré Menor de Mozart. – ele sorriu – Se gostou ouça
esta.
Em
seguida ele começou a executar uma outra peça. Seus
dedos martelavam as teclas do piano com fúria e rapidez. Disse
que não entendo de música mas sei que diante de mim
havia um virtuoso instrumentista. Quando acabou ele suava e parecia
estar em êxtase.
_Isso
foi Tchaikovisk. Concerto para piano n° 9.
_Você
toca muito bem. Onde aprendeu? – arrisquei um pouco de simpatia...
_Todas
as pessoas com boa educação familiar aprendem a tocar
piano antes mesmo de saberem ler e escrever. É uma pena que
nem todas as pessoas possam ter boa educação. Você
por exemplo, não aprendeu a agradecer por uma boa
hospitalidade. Não tocou no seu café da manhã,
nem almoçou os restos do jantar. Isso me desagrada muito, pois
não é fácil preparar uma boa refeição.
Fiquei horas na cozinha e estou me sentindo insultado com sua recusa.
_Não
vou ficar aqui nesta jaula engordando para servir de prato principal
a você! – eu gritei em pânico, perdendo o controle e
qualquer noção de estratégia – Me tire daqui!
Me tire daqui e eu prometo que não direi nada a ninguém.
Na verdade se você me soltar eu vou embora do Brasil...
_Acalme-se.
– ele pediu vindo até o vidro. Usava uma camisa bem alinhada
e calças de lã feitas sob medida. Tinha cabelos
grisalhos nas têmporas e estava começando a ficar calvo
no alto da testa. Usava cavanhaque e bigode, que lhe davam um aspecto
de pervertido sexual... – Já me desgostou muito não
comendo a refeição que preparei com tanto carinho, não
vai começar a ter chiliques histéricos agora, vai?
_O que
você quer de mim? Por que eu estou aqui?
João
sacudiu a cabeça e saiu das minhas vistas. Gritei, gritei o
mais alto que pude. Queria que ele abrisse a jaula, que ele viesse
tentar arrancar a minha língua, assim, talvez eu tivesse uma
chance de fuga, ou fosse morta de uma vez por todas, pondo fim em
tudo aquilo. Ao contrário do que eu esperava, ele apareceu no
alto da janela, com uma mangueira de água.
_Eu
disse para você não gritar. – advertiu ligando a
bomba. Tentei esconder do jato de água gelada, mas ele
conseguia me alcançar em qualquer canto daquele jardim, rindo
enquanto me acertava. Por fim fiquei encharcada da cabeça aos
pés. O pequeno jardim virou uma pequena piscina rasa, com a
água escorrendo lentamente pelo ralo. Já passava das
cinco e o Sol de inverno já havia desaparecido. Aquele jato de
água colocara um fim aos meus gritos e também a
qualquer esperança de conseguir me aquecer durante a noite.
_Vai
ficar molhada no frio, sem cobertores e sem o jantar para aprender
que as regras desta casa devem ser obedecidas. – ele disse antes de
fechar a janela.
No chão,
a comida que eu rejeitara estava encharcada e estragada por respingos
de lama do canteiro de flores. A fome e o frio eram tudo o que eu
possuía naquele cativeiro, onde ironicamente, as plantas
pareciam bem felizes.
Por
volta das oito da noite JM passou pela sala sem olhar para mim e foi
até a cozinha. Ficou ali por algumas horas, trabalhando numa
refeição que me pareceu apetitosa pelos odores que
chegavam até meu nariz. Quando saiu, não trouxe consigo
o carrinho, nem qualquer prato de comida. Ao invés disso,
abriu uma garrafa de vinho, ligou o aparelho de som e sentou-se
diante da jaula de vidro, ouvindo uma canção de bossa
nova.
Ficou me
observando fixamente. Eu tentei falar, pedi que me trouxesse roupas
secas, cobertores, qualquer coisa que me aquecesse por aquela noite.
Ele ignorou meus apelos e continuou em silêncio, apenas me
observando.
_Pelo
amor de Deus! Fale comigo! Explique essa situação! O
que foi que eu fiz de errado para você me odiar tanto?
João
riu e seus dentes eram alongados, brancos e alinhados.
_Não
odeio você! – ele respondeu com aquela língua presa –
Não é nada pessoal. Você é minha
convidada...
_Convidada
para o quê? – perguntei temendo a resposta.
_Para o
jantar...
Meu
Deus! Esse canibal quer mesmo me engordar e me comer...
_Eu sou
doente. – disse improvisando – Tenho uma grave doença,
preciso de medicação constante. Tenho hepatite do tipo
C...
João
riu às gargalhadas. Levantou e serviu mais uma taça de
vinho, trocando o disco de bossa nova por outro, acho que de Tom
Jobim.
_Você
não é doente coisa nenhuma. – ele falou – está
dizendo isso porque acha que vou lhe comer no jantar.
_E não
vai?
_Vamos
ter paciência e esperar...
_Esperar
pelo que?
_Pelo
outro convidado.
Meu
Deus! Mais um? Quantos canibais existem neste mundo?
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