SEXTA
VISITA
Naquela noite tive um princípio de pânico ao pensar na
minha última visita. Não sentia disposição
psicológica para retornar no dia seguinte. Se pudesse teria
partido naquela mesma noite, mas o senso de responsabilidade, as
contas a pagar, minha relação com a editora... Daniel
estava conseguindo entrar na minha cabeça e aterrorizar meus
pensamentos. Esse era o preço, o sacrifício para meu
ambicioso projeto.
Dormi mal aquela noite. Na verdade eu dormira mal todas as noites
desde que chegara naquela cidade. Quando acordei e lembrei que aquele
era o dia do meu último encontro com o Macabro, senti um
alívio imenso e me dirigi ao hospital prisão quase
feliz.
Daniel sorriu ao me ver entrar e não esperou pelo início
da conversa para me oferecer um copo de café. Lembrei-me do
bolo de padaria que ele me pedira para trazer e fizemos a troca pela
gaveta de comunicação, ele agradeceu, mas não o
comeu imediatamente, disse que não sentia fome naquele
momento e o guardaria para mais tarde.
_Então essa será mesmo a sua última visita? -
ele perguntou. Respondi com um gesto - E não há nada
que eu possa fazer para convencê-la a me ajudar?
_Ja te dei toda ajuda que podia. Não é culpa minha que
você tenha dificuldades para arrumar um advogado. Também
não pode por a culpa neste hospital, nem me convencer a
escrever falando mal do tratamento que recebe aqui. Não vou
mentir como você me pediu.
Os olhos dele teriam me fuzilado se tivessem poder de fogo. Seus
lábios se apertaram numa expressão de ódio mal
contido.
_Não preciso que minta - ele tentou uma ultima vez -, não
tenho direito a um advogado? Aonde está a mentira? No que
estou lhe pedindo, ou nos argumentos que você vomita para
justificar seu sadismo?
Daniel esperou pela minha resposta.
_Você prometeu que não falaríamos sobre o seu
advogado. -protestei me sentindo meio idiota - Disse que me ajudaria
a terminar o perfil do assassino do meu livro.
Daniel estava de pé, sorriu e inspirou profundamente: _ E é
só isso que te importa?
Tive uma vontade imensa de mandá-lo à merda, levantar e
ir embora. Já estava de saco cheio daquelas insinuações
que pretendiam me conduzir a um sentimento de culpa, mas ele
continuou falando, seu tom de voz subindo a cada palavra, até
acabar aos berros:
_É só a curiosidade mórbida que te impele a vir
aqui, como se eu fosse um animal exótico num zoológico?
Que tipo de sadismo é esse? Já sei! Você é
parente de uma das vítimas de que fui acusado de assassinar! É
isso não é? Você está aqui para me
torturar, para se vingar, perturbar a minha paz com falsas promessas
de ajuda e com perguntas indiscretas que visam me incriminar! Vá
embora!- ele gritou - Desapareça! Não tenho direito a
um advogado? Mas posso muito bem me recusar a recebê-la! Vá
para o inferno e não volte aqui nunca mais!
Os berros do Macabro ecoaram pelos corredores daquele andar e
chamaram a atenção dos guardas e enfermeiros que vieram
correndo.
_ O que aconteceu ? - eles perguntaram.
Ja estava de pé, pronta para sair, frustrada com a reação
inesperada e surpreendente de Daniel. Até onde eu sabia sobre
seu comportamento, ele jamais havia tido um surto psicótico e
paranóico como este desde que fora transferido para o
hospital.
Ele continuou gritando que me queria fora dali, me acusando de estar
executando um plano de vingança. Um dos enfermeiros ameaçou
derrubá-lo com uma injeção de calmantes se ele
não parasse de gritar. Daniel diante dessa ameaça,
ficou calmo como um cordeirinho e afirmou que se acalmaria ainda mais
se eles me retirassem e me proibissem de voltar.
_Não precisa pedir duas vezes doutor. Já estava mesmo
de saída. Obrigada pela sua colaboração. – eu
disse secamente, tentando esconder a decepção.
Talvez eu tivesse já material suficiente para terminar o
perfil da personagem. Bastaria incluir alguns elementos incongruentes
que atestassem a loucura do meu assassino e as lacunas poderiam ser
assim justificadas.
Mais tarde eu me lembrei do ultimo olhar dele. Não foi um
olhar que combinava com a tensão do momento, ele parecia estar
se divertindo com tudo aquilo.
Rapidamente me desfiz do insistente Dr. Emerson, que me queria na
reunião da diretoria para que eu explicasse o que havia
acontecido ao Dr. Daniel. Ele não queria acreditar que o surto
do Dr. Macabro não tinha sido provocado por nada que eu
tivesse dito ou feito de diferente. Reafirmei a promessa de que
enviaria uma cópia do artigo antes de que fosse publicado na
revista e me despedi, agradecendo à hospitalidade com frieza e
pressa.
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